domingo, 3 de junho de 2012

A maior notícia do século, por Dorrit Harazim

POLÍTICA

A maior notícia do século, por Dorrit Harazim

Dorrit Harazim, O Globo
Benito Mussolini havia sido enforcado dez dias antes e Adolf Hitler tinha se suicidado na semana anterior; os russos estavam em Berlim e as tropas nazistas já haviam se rendido em Itália, Dinamarca, Noruega e Países Baixos.
A Segunda Guerra Mundial estava por um fio, com Winston Churchill, Josef Stalin e Harry Truman prontos para fazer seus discursos de vitória. Faltava, porém, um comunicado oficial atestando o final da carnificina que já durava seis anos.
Eram 3h24m da tarde de 7 de maio de 1945 quando o escritório da agência de notícias Associated Press (AP) em Londres recebeu o telefonema que acabou com a guerra antes do combinado. A ligação chegara através de um canal militar não sujeito à censura, e tinha o chefe do escritório de Paris da AP no outro lado da linha. “Aqui é Ed Kennedy. A Alemanha capitulou incondicionalmente. Repito, capitulou incondicionalmente. É oficial. Coloque Reims, França, como procedência e solte a notícia, já.”
Não discutiu sua decisão com nenhum chefe. O texto tinha perto de 300 palavras. “Agora é esperar para ver o que acontece”, comentou, após desligar.
Dois minutos mais tarde, Londres transmitia a bomba para a central em Nova York, que ainda segurou a notícia por oito minutos antes de colocá-la no ar.
Instantaneamente rádios por toda a América interromperam suas programações para dar a grande nova, edições extras de jornais inundaram as ruas e o furo tinha tudo para ser o momento de maior triunfo profissional e pessoal de Edward Kennedy, já consagrado como um dos grandes nomes de sua geração.
Os fatos seguiram outro roteiro. Passadas menos de 24 horas, Kennedy fora suspenso por tempo indeterminado e seria demitido mais tarde, sem alarde. No mesmo dia, o presidente do Conselho da AP divulgava um comunicado lamentando “profundamente” o monumental furo obtido pelo jornalista.
Perto de 50 correspondentes de guerra do front europeu recomendaram a revogação de sua credencial. Kennedy acabou expulso da França pelo Comando Supremo das Forças Aliadas e teve de retornar aos Estados Unidos.
“Faria tudo de novo”, declarou apenas, ao desembarcar. Conseguiu emprego como redator-chefe num pequeno jornal da Califórnia, o “Santa Barbara News-Press”, fez uma tentativa como publisher do “Monterrey Peninsula Herald” e morreu num acidente de automóvel aos 58 anos de idade. Seu pecado capital foi ter desafiado a censura e atropelado um embargo de notícia.
Passaram-se 67 anos desde então. Somente agora, três semanas atrás, a Associated Press admitiu oficialmente que Edward Kennedy fizera o certo.
“Foi um dia negro para a Associated Press, que administrou o fato da pior maneira possível”, desculpou-se em nome da empresa Tom Curley, atual diretor executivo da agência noticiosa e coautor do prefácio do livro, de onde foram tiradas as informações para este artigo.
O pedido póstumo de desculpas veio junto com a chegada às livrarias do livro de memórias do jornalista — “Ed Kennedy’s War: V-E Day, Censorship and the Associated Press”, disponível na Amazon.
Recomenda-se a leitura a todo jornalista, uma vez que o dilema que se apresentou para Kennedy, além de universal, é atualíssimo.
“Se você dá a alguém uma caneta e a autoridade de um censor, estranhas coisas acontecem”, costumava dizer Kennedy, que seguiu à risca a demarcatória definida por Franklin D. Roosevelt: a censura só é justificada se estiver a serviço da proteção das forças aliadas em combate.
Na noite da rendição, Kennedy integrava o grupo de 17 correspondentes de guerra reunidos às pressas pelo comando aliado para testemunhar o momento. Todos tiveram de assinar um termo de sigilo a bordo do avião militar que os levou de Paris para Reims, no nordeste da França, onde o general Dwight Eisenhower havia instalado seu QG avançado. Só divulgariam o que veriam quando autorizados pelo comando Aliado.
Em princípio, o embargo acordado duraria apenas algumas horas, mas logo os jornalistas foram informados de que ao fim da Segunda Guerra Mundial só poderia ser noticiado 36 horas depois, às três da tarde do dia seguinte.
Só que passadas doze horas da capitulação, uma pequena rádio alemã da cidade de Flensburg vazara a informação e Kennedy procurou dobrar os censores americanos. Nada feito.
“O general Eisenhower até desejaria que a notícia seja divulgada de imediato para que vidas sejam salvas, mas suas mãos estão atadas por esferas políticas superiores”, respondeu-lhe à época o porta-voz do comandante.
As esferas políticas superiores chamavam-se Stalin, Truman e Winston Churchill. Os três haviam concordado em bloquear a notícia da capitulação por um dia para dar tempo ao marechal russo de também preparar a cerimônia de rendição que presidiria em Berlim.
Assim, todos fariam comunicados simultâneos a seus povos, pontualmente às 3 horas da tarde do dia 8 de maio de 1945.
Kennedy tomou a decisão de furar unilateralmente o acordo ao constatar que não estaria colocando em risco a vida de nenhum soldado. Pelo contrário, abreviaria a matança em algumas horas, o que já era muito.
De fato, naquele mesmo 7 de maio, um submarino alemão afundara duas embarcações na costa da Escócia e os combates prosseguiram na Checoslováquia e na Iugoslávia. Ademais, com a assinatura da rendição, a própria função dos censores militares perdia validade, a seu ver.
Duas vozes contundentes saíram em sua defesa à época. A primeira foi a de A. J. Liebling, na revista “New Yorker”, em artigo intitulado “A rendição da AP”. A segunda foi a de Wes Gallagher, despachado pela Associated Press para substituir Kennedy no escritório de Paris.
Por ocasião de seu primeiro encontro com Eisenhower, o repórter comentou com o general que no lugar do antecessor teria feito a mesma coisa, acrescentando: “Apenas teria lhe telefonado antes.”
Ike retorquiu que, nessa hipótese, teria ordenado sua prisão. Resposta de Gallagher: “Mas isso não teria abortado a notícia.”

Dorrit Harazim é jornalista

sábado, 2 de junho de 2012

O papel da mídia


MERVAL PEREIRA30.5.2012 10h07m
Nos últimos dias tive a oportunidade de falar sobre o papel da imprensa em situações diversas: ontem, na Academia Brasileira de Letras, encerrei o ciclo de palestras coordenado pelo acadêmico Affonso Arinos de Mello Franco sob o tema geral de “Eleições e reflexões”, falando sobre “os direitos e deveres” da mídia.


Na China, num debate promovido pela Academia da Latinidade com a Academia de Ciências Sociais de Xangai, analisei a relação da mídia com o Estado na América Latina.

Não há momento mais propício para discutir a imprensa, quando uma intensa luta política procura desacreditá-la no Brasil, como parte de um amplo movimento para tentar criar um ambiente favorável no Congresso à aprovação de uma legislação de controle social da mídia, como tentam radicais ligados ao governo petista desde que o partido chegou ao poder em 2002 com a eleição de Lula.

Lembrei que na América Latina enfrentamos um problema já superado na maioria dos países democráticos: a tentativa de restringir a liberdade de expressão. Espalha-se pela região um movimento de contenção da liberdade de imprensa em diversos países, como Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, onde televisões, rádios e jornais vão sendo fechados sob os mais variados pretextos, e muitos outros são ameaçados com diversas formas de pressão, sejam financeiras, sejam através de medidas judiciais.

Lembrei que no Brasil, uma democracia em processo de amadurecimento, somos uma exceção em um continente cada vez mais dominado por governos autoritários ou simples ditaduras.

Apesar disso, aqui também enfrentamos ameaças à liberdade de expressão. Depois de tentar criar diversos organismos, desde a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual — que daria poderes ao governo de interferir na programação da televisão e direcionar o financiamento de filmes, e toda a produção cultural, para temas que estivessem em sintonia com as metas sociais do governo — até o Conselho Nacional de Jornalismo — com a finalidade de controlar o exercício da profissão e poderes para punir, até mesmo com a cassação do registro profissional, os jornalistas que infringissem normas de conduta que seriam definidas pelo próprio Conselho —, esse mesmo grupo político tenta viabilizar mecanismos de controle dos meios de comunicação.

Falei também na China sobre os problemas legais que cada vez mais surgem no caminho da livre expressão, com embargos de diversos feitios que tentam inviabilizar, até economicamente, os meios de comunicação, especialmente no interior do país, que enfrentam também a violência como arma de intimidação da liberdade de expressão, tendo sido registrados diversos casos de assassinatos e agressões a jornalistas.

Na Academia Brasileira de Letras, ontem, tratei de temas mais genéricos, de conceitos sobre a profissão de jornalista que são atemporais, valem para qualquer momento, mas especialmente para os tempos de eleição.

A imprensa enfrenta no mundo uma permanente batalha de credibilidade, que volta e meia é perdida. Embora aqui no Brasil ainda apareça entre as instituições mais respeitadas pela opinião pública, há um permanente desconforto na relação da imprensa com a sociedade.

Se de um lado ela ainda depende da imprensa para ter seus direitos respeitados e para que denúncias sejam investigadas pelos governos, de outro há questionamentos persistentes quanto à irresponsabilidade do noticiário, sobre as acusações veiculadas — o que muitos classificam de denuncismo — ou quanto ao superficialismo do noticiário.

No Brasil, há uma relação de amor e ódio típica de um país que ainda testa a solidez de suas instituições democráticas, e onde a Justiça não funciona plenamente.

A imprensa aqui, mais que em outras partes, transforma-se em Poder, por uma disfunção dos demais Poderes.

É disseminada pelos adeptos do governo uma tentativa de desacreditar os meios de comunicação na suposição de que a “opinião pública” representa apenas a elite da sociedade e não os cidadãos de maneira geral.

A “opinião pública” surgiu no fim do século XVIII, através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político.

Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao surgimento do Estado moderno. A gravidade do que aconteceu no “News of the World” na Inglaterra, com escutas ilegais e chantagens, liga perigosamente a prática de crimes comuns ao jornalismo, o que é inaceitável e põe em risco a própria essência da liberdade de expressão.

O jornalismo, instrumento da democracia, não pode se transformar em atividade criminosa.

Não obstante todos os novos recursos tecnológicos e as mudanças na sociedade que colocam o cidadão como protagonista, é o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático.

A tese de que as novas tecnologias, como a internet, os blogs, o Twitter e as redes sociais de comunicação, como o Facebook, seriam elementos de neutralização da grande imprensa é contestada por pesquisas. Uma, recente, da Associação de Jornais dos Estados Unidos (NAA na sigla em inglês), mostrou mais uma vez que os jornais tradicionais são marcas confiáveis para as quais o leitor corre quando algo importante está acontecendo.

A pesquisa da NAA sobre o uso de multiplataformas mostra que três quartos de todos os usuários da internet têm os jornais como principal fonte de notícias e os leem em várias plataformas.

Não é à toa que os sites e blogs mais acessados tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil são aqueles que pertencem a companhias jornalísticas tradicionais, já testadas na árdua tarefa de selecionar e hierarquizar a informação.

O jornalismo profissional tem uma estrutura, uma forma profissional de colher e checar informações que a vasta maioria dos blogueiros não tem.

Não há dúvida de que, com o surgimento das novas tecnologias, os jornais perderam a hegemonia da informação, mas continuam sendo fatores fundamentais para cidadania.